quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Nova Luz para quem?

O que vem acontecendo?
Desde o dia 3 de janeiro de 2012, está em curso na região central de São Paulo, uma operação coordenada pelo Governo do Estado e pela Prefeitura. Essa operação já foi chamada de “Sufoco”, e agora vem recebendo o nome de “Operação Integrada Centro Legal”, apesar de não ter nada nem de integrado nem de legal.
Nos primeiros dias, o que se viu foi um show de horrores de truculência e desrespeito aos direitos humanos. A Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana atiravam balas de borracha, bombas e spray de pimenta contra as aglomerações de usuários de crack, enquanto estes corriam pelas ruas da região. Para intimidar ainda mais, um helicóptero da PM dava rasantes.
O Secretário de Saúde do município deu a infeliz explicação de que o objetivo da operação era, através da “dor e sofrimento” provocados pela abstinência, forçar os usuários a procurar tratamento. Dispersados da luz pela polícia e sem acesso à droga, a fissura faria com que eles se oferecessem voluntariamente para se internar.
Só governos degenerados poderiam admitir que elaboraram uma política pautada na dor e no sofrimento. As cenas impressionantes da polícia atirando contra uma multidão de pessoas sujas e maltratadas, que corriam por ruas de um bairro ainda mais sujo e maltratado chocou muita gente. Na quarta-feira, 12 de janeiro, deputados e vereadores, militantes de movimentos sociais e ongs e representantes do judiciário se reuniram na Câmara Municipal para discutir a situação da Cracolândia. A operação “sufoco” ou “centro legal” foi duramente criticada.
Começou então a se articular um grande coletivo, composto por movimentos, ongs e igrejas com o objetivo de combater as violações de direitos humanos perpetradas na região. Esse coletivo organizou um grande churrasco, ao qual compareceram mais de 2000 pessoas. Moradores da região, usuários de droga ou não, também participaram da atividade, inclusive elaborando cartazes contra a operação, que foram afixados nas paredes do principal quarteirão da Cracolândia.
A terceira semana da operação começou com interdições e demolições. Vários estabelecimentos comerciais foram fechados por supostamente estarem com irregularidades no alvará ou desvio de função. Parece que a prefeitura convenientemente esqueceu uma lei aprovada pela Câmara no ano passado, que dava prazo de 4 anos para microempreendedores (como é o caso de donos de botecos, por exemplo) para regularizarem seus alvarás, podendo, nesse ínterim, funcionarem normalmente.
Além disso, cortiços e pensões foram interditados e as pessoas estão ameaçadas de serem despejadas de suas casas. Ontem (18 de dezembro) à tarde, os funcionários da subprefeitura da sé não sabiam informar de quem vinha a ordem de retirar as pessoas, nem a razão para a expulsão. Os funcionários davam informações desencontradas e respondiam agressivamente a qualquer tipo de questionamento, demonstrando um completo despreparo para lidar com a população.
Famílias com crianças e idosos estão sem ter para onde ir, e a subprefeitura só era capaz de informá-los que eles “talvez recebessem uma bolsa-aluguel de 300 reais”.
Refletindo sobre o problema…
O uso abusivo de entorpecentes é um problema de saúde, não de segurança. Agentes de saúde e assistência social deveriam ter sido os primeiros a adentrar a cracolândia, para que os usuários fossem tratados e não expulsos. O problema é que é mentira que a operação centro legal visa combater o problema do crack.
A operação foi desencadeada sem que houvesse um mínimo de estrutura pra acolher os usuários. A prefeitura só tem 329 vagas para internação de usuários de drogas e na sexta-feira passada menos de 30 estavam disponíveis. São apenas 6 clínicas, das quais 5 são organizações sociais conveniadas e apenas uma é um estabelecimento público. A maioria é do modelo “comunidade terapêutica”, uma modalidade de tratamento que desrespeita a liberdade religiosa e impõe ao paciente um credo, além de ser considerada ineficaz por especialistas em saúde mental. Uma quantidade considerável de usuários buscou tratamento após o início da operação. Entretanto, pouquíssimos obtiveram êxito
O Governo Federal lançou, no final de 2011, um Plano de Enfrentamento ao Crack que prevê medidas como consultórios de rua e casas de acolhida para usuários. O programa tem problemas como o financiamento de comunidades terapêuticas e a possibilidade de internação involuntária, mas também tem aspectos em que avança na política de drogas, como os consultórios de rua e a criação de uma rede de atendimento a usuários e familiares. A previsão é que, a partir de março, a prefeitura passe a implementar ações do Plano de Enfrentamento ao crack na cidade.
Sadismo e Interesses explicam a atabalhoada operação
O problema é que houve uma grave inversão de prioridades na intervenção na Cracolândia. Foi errado a polícia ser a primeira a entrar na região, e sua ação tem sido tão ineficaz que as pessoas continuam usando droga e se aglomerando pelas ruas da região, só que a polícia militar acrescentou um sádico detalhe ao já triste cenário da cracolândia: as pessoas são tangidas que nem gado, em uma cruel ciranda em torno dos quarteirões decadentes do bairro.
A defensoria pública compilou mais de 70 relatos de violência policial. Se levarmos em conta que a maioria das vítimas de violência policial alí na região desconfia demais de qualquer órgão público e por isso não denuncia os abusos que sofre, esse número é altíssimo.
O que escancarou de vez o real objetivo da operação realizada na cracolândia foi o festival de interdições e demolições. Isso porque, ou esta se partindo de uma bizarra presunção de que todos os que moram e trabalham na região da luz estão ligados ao tráfico e uso de drogas (conforme alguns meios de comunicação têm tentado fazer parecer), ou a operação é o que pareceu ser desde o início: uma forma de retirar as pessoas do local para abrir espaço para os empreendimentos de alto padrão do Projeto Nova Luz.
A ideia do projeto é demolir mais da metade das construções da região, para, no lugar, construir um espaço “ao estilo dos bulevares de nova york e barcelona” (é o que diz o site do projeto nova luz!). Para isso, a prefeitura e o governo do estado arquitetaram uma operação criminosa e higienista, que trata as pessoas como um problema de paisagem e debocha dos direitos humanos.
A operação vem sendo tocada com absoluta falta de transparência desde o início. É quase impossível saber quais órgãos da prefeitura e do Governo do Estado são de fato responsáveis pela operação. Chegaram a circular notícias de que a operação teria sido deflagrada pelo segundo escalão da PM, sem o conhecimento do governador e do prefeito.
A falta de transparência impede inclusive que órgãos públicos acompanhem e fiscalizem a operação. Na primeira reunião aberta na Câmara, a Defensoria Pública lamentou não ter sido envolvida nas reuniões de planejamento da operação. Na segunda reunião, representantes da Defensoria Pública e do Ministério Público afirmaram estarem surpresos diante das concretagens de portas, interdições e demolições em curso na região da Cracolândia. Nenhum deles sabia determinar de quem tinha vindo a ordem para essas ações, pois nenhum desses órgãos foi notificado de nada. Foi instaurado inquérito civil pelo Ministério Público para investigar violações de direitos humanos e possível prática de improbidade administrativa na execução da operação centro legal.
É impossível saber o próximo passo a ser dado na Cracolândia. Apesar de ter firmado acordo com o Governo Federal, para implementar ações do Plano de Enfrentamento ao Crack, o prefeito Kassab sempre se declarou contrário ao modelo dos consultórios de rua, uma das principais ações do programa. O que será então feito com a verba cedida pelo Ministério da Saúde?Não dá pra saber.
A única coisa que está clara a respeito dessa operação é que ela foi deflagrada com um fim: fazer uma verdadeira limpeza humana na região, para abrir espaço para empreendimentos imobiliários de alto padrão, que não podem conviver com a miséria da região. Ao invés de enfrentar a miséria, Kassab e Alckmin preferiram mudá-la de lugar na base do porrete.
Maira Pinheiro – Secretária Geral da UEE-SP, estudante de direito e coordenadora estadual do Movimento ParaTodos

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