Opinião: A Comissão da Verdade e a Luta Social – Por Gabriel Landi UNE - União Nacional dos Estudantes
No momento em que o Governo Federal amarra as últimas pontas soltas para a votação da Comissão da Verdade, cabe uma reflexão importante sobre o assunto. Mais que debater a tática pela qual se busca obter a aprovação do projeto, cabe um balanço do ritmo em que tem transcorrido a luta pela Justiça de Transição no Brasil. Mais que repetir as discussões sobre as práticas autoritárias que sobrevivem no seio das Forças Armadas ou sobre os ainda desaparecidos políticos, é importante que se perceba o quanto se tem avançado nesse desafio, seja em termos de políticas públicas ou mesmo na disputa de consciência da sociedade. E, acima de tudo, o quanto a ascensão de uma ex-presa política à Presidência da República e de outro ex-preso político à assessoria do Ministério da Defesa abre caminho às iniciativas nesse sentido.
Implementada em diversos países do Cone-Sul e do mundo, a Comissão da Verdade tem a atribuição de esclarecer os ocorridos durante o regime civil-militar que se apoderou do Estado brasileiro em 64, interrompendo o processo de organização e luta dos trabalhadores de nosso país. A Comissão será uma oportunidade para, por meio da pesquisa do período, entender melhor todo o instrumental político e organizacional da repressão, tanto dentro do Estado quanto em suas ramificações privadas e paramilitares. Será a oportunidade para ter um balanço sincero sobre quantos brasileiros comprometidos com o autoritarismo ascenderam e permanecem em posições públicas de poder, como no Judiciário ou nas estruturas do servidorismo público. Esse balanço é fundamental para que possamos melhor entender e combater as forças políticas golpistas, ainda altamente organizadas e presentes na vida pública brasileira.
O compromisso da União Nacional dos Estudantes com a Verdade, a Memória e, acima de tudo, com a superação de todas as reminiscências da Ditadura Civil-Militar foi forjado desde antes do Golpe de 64. A Campanha da Legalidade, resistência ao regime e luta pelas Diretas são exemplos de como a História da UNE se funde à História da luta pela democracia e contra o golpismo das elites brasileiras.
Restam em aberto uma série de desafios envolvendo tanto a própria Comissão da Verdade quanto a Justiça de Transição no Brasil, e é papel dos movimentos sociais e populares se debruçar sobre tais temas, com todo o debate que tenham acumulado nas mais de duas décadas pós redemocratização. Há de se pontuar, no entanto, que certos discursos enfraquecem tal luta, ainda que vindo de setores que historicamente a tem fortalecido. O projeto do governo para a Comissão da Verdade pode desapontar a muitos que esperavam da Comissão o gesto definitivo contra os setores golpistas da sociedade. Ainda sim, a Comissão é um avanço inegável, tanto em termos do seu significado político, conquanto aponte para o fato de que a transição brasileira é inconclusa, quanto nas potencialidades de seu produto final. E, nesse sentido, é importante a clareza de que não nos basta o desafio de aprovar uma Comissão da Verdade no Congresso Nacional. Ainda há um desafio muito maior que se segue: o de acompanhar sua implementação, dando-lhe auxílio e criticando sua atuação quando assim se fizer necessário.
A luta contra o golpismo e contra os setores autoritários das Forças Armadas é uma luta longa é árdua, mas que, na América Latina, significa uma luta necessariamente colada às demandas populares e à defesa da própria luta social e sua organização. Não apenas para que não se esqueça e não mais aconteça, e sim para que possamos seguir avançando.
Gabriel Landi Fazzio é Diretor de Memória do Movimento Estudantil da UNE e Diretor do Centro Acadêmico XI de Agosto – Gestão Fórum da Esquerda
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